Artigos

O SISTEMA GEMELAR E OS SONHOS

Data: 30 de January de 2025

O Sistema Gemelar e os Sonhos

Por Ana Lucia Braga & Carolina Fregonesi

 

Agradecimentos:

Agradecemos a Geraldo Martelli por ter me apresentado o sistema gemelar. E a Dra. Graziella Freni por todos os ensinamentos.

 

Introdução

O trabalho com o sistema gemelar, Método Freni®, tem se mostrado de impacto na vida de muitos clientes.

Além de mudanças de sentimentos, sintomas físicos que aparecem depois do trabalho, sintomas de doenças que desaparecem e outras mudanças comportamentais, podemos observar os sonhos que, relatados pelos clientes, após essas constelações com o sistema gemelar e o Método Freni®, mostram-se reveladores e curadores.

O objetivo de se olhar para os sonhos também no trabalho com o sistema gemelar é que o cliente aprenda com ele, que “ouça” as mensagens, se tornando mais consciente, mais sensível em relação a si e às suas dinâmicas de funcionamento na vida. Essas são possibilidades de mudanças intencionais que, como diz Graziella Concetta Freni, nos trazem das experiências de dor e limitação da bolsa amniótica para vivências mais conscientes fora da bolsa, ou seja, na vida.

Abordaremos, neste artigo, alguns aspectos sobre os sonhos, de modo geral, e olharemos para alguns sonhos e as constelações seguidas de sonhos ou entremeadas por eles, da cliente H., em um estudo de caso.

 

O Método Freni®

O Método Freni® trata de um sistema particular, o Gemelar. E parte do princípio de que todos nós somos gêmeos nascidos sós. Mesmo aqueles que nascem gemelares, também vivenciaram, no útero, situações semelhantes aos nascidos sós.

No útero, nos sacos amnióticos, vivenciamos alegrias profundas e conexões maravilhosas, assim como traumas de perda que influenciam as dinâmicas futuras na vida de uma pessoa. A partir dessas experiências com os irmãos gêmeos na bolsa, dentro do útero - tanto das relações com os irmãos da mesma bolsa como com outros, de outras bolsas -, vivenciamos contatos corporais, cinestésicos, que são processados apenas pelo corpo, em função da presença do tronco cerebral e da ausência do neocortex nos momentos iniciais do desenvolvimento humano.

São encontros tanto de experiências de completude e preenchimento, como marcas difíceis no corpo que, posteriormente, tomam todo o ser no sentido físico, emocional, mental e até espiritual. São experiências que se transformam em sintomas que o gêmeo nascido só traz para a vida fora do útero. Poderíamos dizer que, por conta da ausência do córtex cerebral, do pensamento, do processamento cognitivo, com todos os eventos traumáticos ocorridos, houve uma impossibilidade de autodefesa e de luto, e que, por esses motivos, as reações aos traumas viraram estratégias de sobrevivência e sintomas físicos e mentais disfuncionais.

O Método Freni® utiliza várias técnicas para se trabalhar com o gêmeo nascido só. São elas:

  1. dinâmicas com toquinhos coloridos de madeira, que representam os irmãos nos sacos amnióticos;
  2. vivências com véus que representam os sacos amnióticos;
  3. utilização de almofadas e bonecos de panos (e outros objetos) que representam os irmãos gêmeos;
  4. desenhos das bolsas no útero;
  5. desenhos de linhas horizontais com marcações verticais que representam as bolsas amnióticas, o cliente, seus irmãos, seus familiares, entre outros, aplicando a Ordem Hierárquica das Ordens do Amor de Bert Hellinger, cada bolsa de líquido amniótico. Então, cada linha desenhada contém um sistema hierárquico autônomo, no sentido horário do maior para o menor. Da mesma forma, a bolsa número 1 formada primeiro representa os irmãos gêmeos mais velhos em geral, enquanto a bolsa número 5 é formada após os irmãos gêmeos menores, em geral. No gráfico, o cliente pode facilmente indicar seu lugar dentro do amniótico saco fluido e em relação aos outros sacos com os quais ela tem interagido mais no útero;
  6. além das constelações com pessoas e véus.

Após a aplicação do Método Freni®, existe a possibilidade de se compreender e integrar as experiências vivenciadas no útero. A partir daí, há o processamento mental e emocional, possibilitando um funcionamento mais saudável do corpo e da mente e a eliminação dos sintomas apresentados pelo gêmeo nascido só.

 

O sonho

O sonho teve, desde sempre, espaço no universo humano. Dos povos primitivos até a atualidade ele mostra-se como um universo profundamente misterioso e revelador.

Há vários tipos de sonhos e, claro, diversos tipos de interpretações, desde os povos primitivos, as religiões até os teóricos das diversas psicologias.

Em quase todos os casos, os sonhos são vistos como mensageiros.

Muitas tribos antigas já conheciam a importância dos sonhos na vida dos seres humanos. A vida social e o comportamento do grupo baseavam-se nos sonhos. Os Senoi, tribo localizada no centro da Malásia, por exemplo, ensinavam as crianças a contar seus sonhos. Esses eram discutidos e interpretados junto com a família e a tribo. Uma tribo aborígine australiana tem um festival chamado Kunapipi, que dura 30 anos. A cada ano é realizada uma parte do festival, onde a tribo se reúne para discutir eventuais sonhos sobre a cerimônia. Se algum sonho contiver propostas de mudança no ritual, este é mudado. É um ritual que corresponde à vida onírica do grupo. A maioria das tribos primitivas confiavam e ainda confiam nos sonhos.

Para Allan Kardek o sonho é a lembrança das experiências que a alma tem durante o sono quando entra em contato com o mundo espiritual e com outros espíritos, pois quem está encarnado nunca está inativo, sendo o sono um treino para a morte.

A Bíblia, livro sagrado para todos os cristãos, diz que um sonho pode ser a fala de Deus, no sono. Há algumas passagens bíblicas que mostram Deus conversando com pessoas, como José, por exemplo, que no Novo Testamento, sonhou que Deus conversava com ele e dizia para não se separar de Maria.

Na Bíblia há propósitos para que Deus use o sonho para acessar as pessoas para dar alertas e indicações, revelar profecias. O caso dos Reis Magos, por exemplo, que foram chamados por Herodes, onde esse lhes pediu que, em seu retorno da visita ao menino que nascera, revelassem o local para que ele também o adorasse; os Reis Magos, no entanto, “tendo sido advertidos em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram a sua terra por outro caminho” (Mateus 2:12). E já sabemos o final da história, do que aconteceu a partir de Herodes com relação ao menino que nascera.

Não apenas nos rituais e religiões, mas também na ciência os sonhos têm grande importância. Vários documentos mostram que muitos cientistas primeiro sonharam com certas soluções matemáticas e apenas depois as resolveram conscientemente. Albert Einstein sonhou com a teoria da relatividade. Dmítri Mendeleiev, cientista russo e criador da tabela periódica, sonhou com a mudança na ordem dos elementos.

Sendo assim, como afirma Franz em seu livro “O Caminho dos Sonhos”, podemos pensar que os pioneiros da psicologia não descobriram a importância dos sonhos, eles a redescobriram, uma vez que muitas civilizações antigas já levavam extremamente a sério seus sonhos.

Com Sigmund Freud, a partir de seu livro “A Interpretação dos Sonhos”, publicado em 1900, eles ganharam espaço na psicologia, dentro da perspectiva da psicanálise. Sabemos que há sonhos premonitórios, sonhos simples que falam da realidade próxima e compreensível, sonhos mensageiros, fáceis de serem interpretados. Porém, a partir de Freud, eles puderam ser olhados como contendo características ou reflexos do inconsciente humano, como uma das formas de se acessar esse inconsciente. Eles podem influenciar pensamentos e atitudes.

Por revelar o inconsciente através de uma linguagem particular, passível de interpretação, o sonho tem sido um auxiliar em muitas abordagens terapêuticas.

Freud entendia que ele tinha algumas funções, como por exemplo trazer à luz o desejo inconsciente. Ou seja, através do sonho é possível se realizar desejos escondidos, e aí pensamos nas imposições sociais, na cultura, naquilo que organiza os sistemas sociais e familiares tais como são. Para Freud, os desejos recalcados ou reprimidos podem se manifestar livremente no sonho, sendo uma válvula de escape para aquilo que é proibido, conscientemente. Por esse motivo, muitas vezes esquecemos o sonho, ou seja, há uma censura psíquica para o conteúdo onírico.

Após Freud, podemos ver Carl G. Jung, que amplia a análise e o trabalho com os sonhos, trazendo o conceito de inconsciente coletivo. Para Jung o sonho tem uma função compensatória, que modifica a consciência humana, compensando a situação consciente, reconstituindo o equilíbrio psíquico. O sonho tem, ainda, a função de autorregulação psíquica.

Jung vai para além daquilo que foi reprimido na história do indivíduo, trazendo a importância da influência de um inconsciente coletivo, repleto de informações, conteúdos, histórias e simbolismos universais, comum aos seres humanos de um modo geral. 

Como a linguagem dos sonhos não é lógica, é necessário olhar para eles tentando compreender os símbolos e as imagens arquetípicas, porém estabelecendo as conexões com a história pessoal do sonhador e com sua cultura, religião e convicções morais. Os sonhos auxiliam no processo de individuação.

Para Jung, não é possível pensar em sonhos dependentes da consciência; eles retratam o inconsciente e não trapaceiam. Contudo, não é fácil sua leitura. Por isso, inclusive, não é possível interpretar seus próprios sonhos. Nos sonhos, todo conteúdo, cenário, personagens se referem ao sonhador e tudo deve ser tomado como metáfora, como simbólico. E o simbolismo é tanto relacionado ao inconsciente coletivo como ao inconsciente individual, do próprio sonhador.

O Self, um dos principais elementos de um sonho, significa o centro divino da psique. Nós não sabemos o que o Self é, nem o que ele quer. Por isso precisamos da ajuda dos sonhos, uma vez que os sonhos são cartas que o Self nos escreve a cada noite. Assim somos orientados a fazer um pouco mais disso, um pouco mais daquilo, ir para um lado ou para outro. Muitas vezes o Self aparece nos sonhos como imagens de mandalas ou de um guia sábio que orienta.

Quando não vivemos em harmonia com o nosso Self adoecemos. A energia inconsciente fica represada por conta de não ser explorada e integrada à consciência. Assim, como diz Von Fran, vivemos em um estado de inquietação, Irritabilidade, agressividade, supersexualidade ou sensação de total vazio e falta de sentido. Portanto, podemos pensar que quem não estiver ligado à sua própria vida onírica correrá o risco de desenvolver algum tipo de comportamento neurótico.

Jung nos diz que não se pode ter certeza sobre o significado do sonho, estamos sempre diante de uma hipótese. E quem vai dar a informação se o sonho foi bem interpretado é o efeito que ele tem sobre o cliente.

Para Von Franz, “Um dos objetivos da psicoterapia é ajudar as pessoas a manter uma identidade constante e conviver com sua família interior de almas sem ficar possuídas por elas” (VON FRANZ, 1993, p. 89).

A hipnose vê o sonho como uma metáfora. Para ela, há também alguns tipos de sonhos, como os sonhos lúcidos, onde o sonhador tem consciência de que está sonhando. Trabalha com o sonho induzido, com a produção de imagens, o sonho acordado. Vê, inclusive, a possibilidade da volição dentro dos sonhos. Esse tipo de técnica é muito utilizada como exercício de transe, pois as imagens mentais, segundo Benomy, são grandes recursos para o “eficiente acesso a conteúdos mais profundos, do sujeito, bem como o incentivo e motivação na criatividade para o enfrentamento de problemas”. São importantes “geradores de mudanças cognitivas, emocionais, comportamentais e psicossomáticas”. Os sonhos guiados ajudam a descobrir o poder da imaginação e da cura de sintomas.

Os sonhos também podem ser sistêmicos. Bert Hellinger não trabalhava muito com sonhos, mas dizia que eles poderiam apontar para um problema e, também, trazer uma solução. Ele trabalhava o sonho dentro da perspectiva fenomenológica. Não queria “mitologizar” os sonhos.  Ele dizia que os sonhos podiam trazer falsas lembranças e que são adaptáveis ao fluxo de energia na vida da pessoa. Que focar neles dentro do processo terapêutico poderia significar perder o foco, ou focar em posturas que evitam tomadas de decisões e a ação efetiva. Se justificamos a omissão, os sonhos fazem o mesmo, segundo Hellinger.

Ele dizia que há sonhos secundários, que são ligados a sentimentos secundários, que usam como estratégia de sobrevivência a negação e a não ação. Há os primários, que são lembranças codificadas sem drama ou glamour, sendo lembranças.

E há os sonhos sombrios, que mostram um lado sombrio, que não se quer ver. Hellinger diz que praticamente são sonhos sobre os quais não falamos porque é difícil olhar para o que eles trazem, para a revelação de um lado oculto de nossa personalidade.  Mas eles poderiam ser usados como método de integração.

E há os sonhos sistêmicos, que trazem à consciência algo importante acontecido no sistema familiar e que o sonhador traz à tona. São sonhos que falam de morte, de suicídios, de assassinatos. Para Hellinger, ainda, o que é importante no sonho é dito nas três primeiras frases do mesmo, sendo redundante ou menos importante o que vem depois. Detalhes não são importantes pois tiram o foco. Para ele há, ainda, os metassonhos, que são sonhados por quem já está em trabalho sério consigo e que “são amparados por sua própria profundidade”, como afirma em seu livro “A Simetria oculta do Amor - por que o Amor faz os relacionamentos darem certo”. Esses sonhos trazem a solução à consciência.

Para Graziella Freni, a noite deveríamos encontrar os gêmeos e, portanto, nos abrir para o mundo onírico, que poderia promover o reencontro e a revivência dos momentos bons que tivemos lá, afinal de contas, no campo dos gêmeos existem os dois lados: o do paraíso e o da dor. A dor deve ser elaborada. Após essa elaboração, que tem a ver com o reconhecimento dos irmãos, com os traumas de perda sofridos e os sentimentos advindos dos traumas; se curvar, respeitando tudo como foi, tudo como é, reconhecer a falta que eles fazem e, acima de tudo, reconhecer que se está vivo, que a sobrevivência passou, assumindo-se o seu lugar na vida, fora da bolsa amniótica, com alegria e todos os sentimentos vividos enquanto se estava no paraíso, com eles.

 

Estudo de caso

Traremos, agora, o estudo de um caso com relatos de situações que envolviam uma percepção, inconsciente, da cliente, acerca de irmãos gêmeos. São memórias infantis, sonhos, informações que vêm de terapeutas, constelações familiares antes do trabalho com o sistema gemelar, assim como sonhos que vieram após o trabalho com o Método Freni®.

 

A cliente

H., sexo feminino, 35 anos.

H. tem estado muito deprimida, triste e cansada. Com problemas no relacionamento com o marido, assim como com suas amizades. A pesquisa sobre relacionamentos foi ampliada e ela descobriu que existem alguns padrões de sentimentos que nos remetem ao sistema gemelar, como o sentimento de exclusão, de que é estrangeira nos grupos, de que não é boa o suficiente, entre outros. Durante o trabalho terapêutico percebeu que não gostava de comer e nem de beber água.

H. foi aluna do Curso de Formação de Consteladores de Ana Lucia Braga, o que a motivou a buscar a terapia na abordagem terapêutica sistêmico fenomenológica; está em terapia há um ano, aproximadamente, utilizando em seu processo os recursos que a abordagem oferece. Um desses recursos foi introduzido em outubro de 2020, que são as técnicas do Método Freni®.

A cliente continua em terapia com Ana Lucia, seguindo adiante, com a consciência de estar fora do útero, fora da bolsa amniótica, na Vida.

 

Constelações do Método Freni®

Foram realizadas algumas sessões com o sistema gemelar, utilizando-se técnicas do Método Freni®. A técnica das linhas paralelas horizontais que representam as bolsas amnióticas, com tracinhos coloridos verticais representando os gêmeos, o desenho das bolsas no útero, a constelação com toquinhos de madeira, a constelação com o véu e as almofadas. Por conta da pandemia atual, não foram realizadas constelações com pessoas e véus.

No início de uma dessas sessões, antes de uma constelação, a cliente relatou sobre os insights que teve em relação a sua alimentação. Percebeu que não sente vontade de comer nem beber água. Que nunca teve essa vontade. Percebeu sua conexão com a morte.

A cliente mencionou, ainda, que continuava dormindo com 3 bonequinhos, conforme orientação dada pela terapeuta nas primeiras sessões de utilização das técnicas, onde se percebeu sua ligação maior com esses três irmãos não nascidos. Uma do sexo feminino e dois do sexo masculino. Relatou também que um dos meninos sempre caia da cama, como se pulasse da cama.

Em uma dessas sessões, a consteladora pediu para a cliente pegar uma folha de papel e traçar 5 linhas horizontais, que representariam as bolsas uterinas. Depois, pediu que a cliente escolhesse em qual dessas bolsas ela estaria e fizesse traços verticais para representá-la e aos irmãos mais importantes. Em exercício posterior, H. representa outras pessoas da família e seu primeiro marido. H. sentia que estava em uma bolsa escura. “Não é a mais escura, mas também não é a mais clara”, segundo ela. Ela desenhou mais representantes nas bolsas. Na configuração da cliente, há irmãos em todas as bolsas, alguns grandes e outros pequenos. O trabalho foi feito rumo ao reconhecimento de todos eles, evidenciando dinâmicas que tinham a ver com seus sofrimentos, com o modo como se vê e se relaciona com alguns de seus familiares, olhando para os tamanhos dos representantes, grandes e pequenos, para o seu próprio tamanho em relação a eles, onde se localizavam, assim como para as percepções de ambas, terapeuta e cliente em cada olhar, em cada “encontro”. Uma das percepções impactantes foi em relação aos representantes roxos, cuja sensação era de que a cliente os olhava enquanto eles estavam se desfazendo, “derretendo”. 

O marido, por exemplo, era um representante azul e pequeno, na bolsa número quatro. O pai era grande, também em azul, na bolsa um. A mãe era rosa, grande, na bolsa dois. A irmã viva tinha a cor laranja, tamanho médio/pequeno na bolsa três, mesma bolsa da cliente, porém bem afastada da representante da cliente e dos irmãos mais importantes. Para Graziella Freni, no entanto, os pais e irmãos são representados na bolsa do cliente; mamãe e papai são geralmente as primeiras pessoas com quem o feto interage depois de nascer. Isso significa que eles serão nossos primeiros substitutos gêmeos e, via de regra, substituem os irmãos gêmeos de nossa bolsa. Após um primeiro trauma e uma reorganização, eles podem ser percebidos como saídos da nossa bolsa. O conceito é que os pais geralmente estão em nossa bolsa. Se os vivemos fora, então já perdemos a fé neles - eles já estão "mortos" pela primeira vez por nós e se tornam substitutos para gêmeos menos amados.

Ao dirigir seu olhar para quem “mais chama atenção”, a cliente mostrou um representante rosa na bolsa um e o circulou com caneta. A consteladora perguntou se era um homem ou uma mulher. A cliente respondeu que era uma mulher. A cliente teve a sensação dessa mulher ser iluminada, de ser alguém que a protegia.

Utilizamos frases de solução, ao encontrar as dinâmicas da vida relacionadas aos irmãos, do sistema gemelar. Algumas dessas frases de solução utilizadas, ao olhar para os irmãos, em cada dinâmica, foram: “Eu vejo vocês. Eu vejo todos vocês. Eu sobrevivi. Vocês todos são os meus irmãos. Vocês todos estão dentro de mim, fazem parte das minhas células”; “Somos partes do mesmo destino”, “Somos uma comunidade de destinos”. No início a cliente não reconhecia todos como seus irmãos. Mas no momento que a consteladora disse: “Vocês todos estão dentro de mim, fazem parte das minhas células”, a cliente conseguiu reconhecer todos como irmãos e sentiu que tinha mais afinidade com uns e menos com outros.

No campo das constelações, as informações e as percepções passam pelo corpo do facilitador. A esse fenômeno chamamos ressonância do terapeuta com o campo do cliente, o que é absolutamente natural e desejável em relação ao terapeuta de constelações sistêmicas. Durante a constelação, a consteladora sentiu fortes dores nos intestinos e sua barriga inchada. Após compartilhar as sensações com a cliente, esta relatou que vinha sentindo esses sintomas há aproximadamente duas semanas. Outros sintomas tomaram as duas durante a constelação, como por exemplo dores e mal estar no pescoço.

Uma das intervenções feitas foi na relação da cliente com o marido, que a cliente agora poderia ver fora da linha desenhada, fora da bolsa amniótica. Frases de solução também foram utilizadas aí. “Eu vejo você. Você não é meu irmão. Agora eu vejo você. Eu te via como meu irmão, menor que eu. Eu sinto muito. Agora sei que coloquei você no lugar de um irmão”, entre outras. Na percepção da cliente, ela podia perceber um irmão, aquele que caia da cama, que agora se mostrava feliz. Era como se pudesse ouvi-lo dizer que ele já fizera o que precisava e que pedia para a cliente a sua liberação, como se ele precisasse “ir embora fazer outras coisas”.

Durante o trabalho a cliente sentiu que esse irmão era o Pedro, irmão gêmeo cuja imagem havia ficado muito forte, desde a infância. Dando liberdade ao seu sentir, utilizando o universo metafórico e simbólico, a cliente se liberou para se conectar com o campo dos gêmeos, sem filtros, como que permitindo que aquilo que ficara represado em seu corpo se soltasse, tomasse outros rumos, porque no útero só havia o tronco cerebral, mas agora há o neocortex, possibilitando a compreensão de todo aquele sofrimento e a integração de todas aquelas sensações, com um novo significado.

Em outra sessão, com o desenho do útero e das bolsas dentro do útero, a cliente sentiu muito desconforto corporal. Sentia fisgadas muito fortes no pé esquerdo, dores no joelho esquerdo, dor e coceira na região do timo, pressão no peito, dificuldades para respirar, além de dor de cabeça e muito sono. Também sentiu vontade de comer e beber água. A cliente já estava menstruada, mas sem cólica, após a constelação aumentou muito a cólica. A consteladora sugeriu que a cliente representasse os irmãos nos locais de desconforto e ela utilizou esparadrapos, sentindo-se muito melhor.

Foram realizadas outras sessões com a cliente, onde ela pôde integrar os irmãos gêmeos, sua dor e seu amor inconsciente por eles.

Em outra ocasião, a consteladora convidou a cliente a, toda vez que fosse comer e tomar banho, imaginar que está diante dos irmãos e dizer: “Eu como por vocês, eu bebo água por vocês, eu tomo banho por vocês. Vocês vivem em mim”, o que lhe trouxe um bem estar.

Atualmente, ainda estamos no trabalho e o que observamos é que após cada trabalho importante, há um sonho importante. Sonho que vem para elucidar emoções, trazer alguma mensagem e ajudar a integrar aquilo que antes estava fragmentado dentro dela, que existia de forma disfuncional e que era sintoma.

Muitas vezes a terapia funciona a partir de metáforas, do trabalho com elementos simbólicos, com frases simples e de efeito. Nesse sentido, as histórias, os sonhos, as músicas trazidas pelo cliente, são muito importantes. Uma frase de efeito, dita por Bert Hellinger que cabe na história pessoal da cliente é “uma pessoa triste faz uma boa companhia a seus defuntos”. Certamente, neste caso, os defuntos são todos os irmãos, criados pelas células tronco como indivíduos inteiros, percebidos por nós enquanto gemelares, que não nasceram.

 

Memórias Gemelares

Há memórias de vivências infantis que envolvem a consciência do gêmeo não nascido. O fato é que as crianças não sabem que são memórias verdadeiras, e menos ainda seus pais o sabem.

Jung já dizia sobre o quanto os sonhos das crianças podem ser muito simples ou muito complexos, pois elas têm a capacidade de entrar no inconsciente coletivo e trazer as informações, especialmente através dos sonhos. Os sonhos mais complexos ocorrem quando há conflitos entre os pais e ou situações difíceis no sistema familiar, no entorno dessas crianças.

H. nos traz, através de seus relatos, o quanto estava conectada com seus irmãos gêmeos não nascidos, durante toda sua trajetória de vida, desde a infância, e o quanto essas memórias ainda são fortes para ela, até a atualidade. Em muitos aspectos, tirando sua força vital, e sua vontade de estar com o outro, em uma identificação profunda com seus irmãos, especialmente com aqueles mais importantes para ela, já sabidos desde a infância. São sentimentos de inadequação, de que não era suficientemente boa, de que os amigos e os primos não gostavam dela o suficiente para querer a sua companhia, entre outros; e sintomas físicos que, certamente, entram em ressonância com o que viveu de perdas no útero, tendo inclusive vontade de acompanhar seus irmãos na morte.

Na perspectiva do Método Freni®, assim como para as Constelações Sistêmicas de um modo geral, não importa se foi um dia de útero ou se as perdas foram mais no final da gravidez, a falta e a memória das perdas são as mesmas. Para as Constelações Familiares, a memória e a dor relacionadas a perdas de irmãos criam emaranhamentos ou envolvimentos sistêmicos que levam o indivíduo sempre para o mesmo lugar: o sofrimento. Especialmente por conta da desordem em relação a não saber seu lugar no sistema.

Aqui traremos alguns relatos das memórias da infância de H., assim como o relato de algumas constelações sistêmicas realizadas por ela, nas quais, independentemente do tema ter sido os gêmeos evanescentes, essa temática se mostrou presente. Segundo H., a partir da consciência e integração dos trabalhos terapêuticos realizados, ela foi conseguindo a tão esperada cura dos sintomas que a levaram para as constelações.

 

Memórias, sintomas, constelações

São memórias, sintomas, constelações e sonhos que trazem à tona o sistema gemelar, sem que se tenha tido intérprete ou referencial para tal.

As informações chegam fragmentadas, com interpretações diversas, com indicações, orientações, mas sem integração. A partir do momento que se coloca com clareza a existência do sistema gemelar, há a possibilidade de se olhar com outros olhos para aquilo que vem se mostrando, desde a infância de uma pessoa.

H. nos conta que, quando criança, sempre quis ter uma irmã gêmea e um irmão mais velho. Quando via gêmeos ficava triste e pensava: “Agora não dá mais, porque ele(a) teria que ter nascido junto comigo”.

Sempre pensou que deveria ter tido um irmão e que por algum motivo esse irmão não veio. Então falava que o primo, que parecia muito seu com pai, era o irmão que ela não teve. Dentro de si culpava seu pai pois acreditava no poder que ele tinha de não permitir o nascimento de meninos; ele sempre dizia: “Eu nunca quis ter um filho homem, só meninas. Na minha família, em toda casa tem um filho homem que dá trabalho. Não queria na minha.”

 

O joelho

Certa vez a cliente foi constelar o joelho porque sentia muita dor, o que a atrapalhava muito. O joelho doía quando estava em movimento ou parada e, naquela época, a cliente estava emagrecendo muito.

Realizou uma constelação do tipo Novas Constelações. A consteladora pediu para falar frases de solução para as pessoas deitadas, mas as frases não a tocaram. Ela pensava: “Eu nem sei quem são essas pessoas”. Em um momento, uma mulher que era cega entrou na constelação com muita dificuldade. As pessoas ao redor a ajudaram. Ela se deitou ao lado dos representantes lá deitados. Segundo a cliente, quando a olhou, viu nela a figura de um homem e sentiu que era o irmão gêmeo Pedro. A cliente a tocou e sentiu um imenso amor conseguindo, em seguida, dizer as frases de solução para aqueles que estavam deitados. Novamente, naquele momento da constelação, culpabilizou o pai pela situação de aborto. E, naquele instante, como que entrando na mente da cliente, a representante que a cliente considerou ser o irmão gêmeo não nascido Pedro fez cara de dor e disse: “Não é verdade. Ele não tem culpa”. Ao final da constelação, a consteladora disse que apareceram crianças abortadas.

 

O vazio

A cliente procurou, novamente, a constelação para o tema difícil em sua vida que era o sentimento de vazio e de não existir, de estar amarrada.

A constelação mostrou uma parte da cliente que não queria estar aqui na terra, como se essa parte não estivesse encarnada. Essa parte ficou para traz, presa em uma situação. Essa parte, o pai e a situação estavam juntos. Na constelação foi feito o resgate e a integração dessa parte dentro da cliente. Para ela, o sentimento de vazio diminuiu e a vontade de morrer perdeu força, virando apenas um pensamento.

 

Mapa astral

Fazendo seu mapa astral, as informações que a astróloga trouxe também passavam pelo sistema gemelar. Algumas dessas informações foram: a mãe da cliente correu risco durante o parto, a criança poderia não ter nascido, o nascimento da cliente foi sua primeira vitória e também o início de uma batalha. Ainda segundo a astróloga, existia algo obscuro na gestação e no nascimento e H. continua carregando isso; essa energia continua dentro dela. A informação era como se, no parto, tivessem ocorrido dois nascimentos: o da cliente e de algo a mais. Que poderia ter sido algo dos pais, mas poderia ser outra coisa. Na leitura da cliente essa outra coisa seria o irmão gêmeo evanescente. A cliente referiu sentir grande angústia por conta de tudo isso.

 

Sonho lúcido

No início de sua adolescência, teve um “sonho acordada”. Estava desesperada e falava para seus pais rezarem porque iam pegar o irmão dela. Sentia tudo isso em seu próprio corpo. Depois disse que já não adiantava mais porque já tinham matado ele.

Ela ia sentindo tudo isso como se estivesse acontecendo naquele momento e cenas passavam em sua mente. Na ocasião, deitou-se em posição fetal e chorou desesperada e seus pais a consolaram sem entender.

 

Pesadelos

A cliente, desde criança, sempre teve terror noturno. Em muitas noites sonhava que estava vivendo uma situação comum com alguém da sua família e de repente ia sentindo que o clima ficava estranho, mais denso. De longe, via pessoas se aproximando e sabia que essas pessoas matariam quem estivesse junto dela. Ela tentava impedir, mas sabia que não podia fazer nada. Que ela sozinha não conseguia impedir. Acabava assistindo essas pessoas matarem o membro da sua família na sua frente. Normalmente esse membro da família era representando por um homem.

Mudavam as personagens do sonho, mas o enredo da história era sempre o mesmo. Esse sonho parou de se repetir após a primeira Constelação Familiar.

A primeira Constelação foi sobre os pesadelos. A consteladora perguntou para a mãe, que estava assistindo, se já abortara e a resposta foi negativa. A cliente interpelou se era possível um aborto sem a consciência da mãe e a consteladora respondeu afirmativamente. A consteladora desejou saber sobre a percepção da cliente acerca do sexo da criança e ela responde que poderia ser um menino, sendo incluído um representante para ele. Durante a Constelação, segundo a cliente, ela pôde ver esse irmão e o incluir em sua família. A consteladora propôs, no final da constelação, que a cliente fosse para a vida. Porém, antes de ir para a vida, ela pediu para se despedir dele. Aproximou-se do irmão, deu um abraço no representante dele e os dois choraram muito por um longo tempo. Depois disso, a cliente “foi para a vida”, mas relatou que ficou se perguntando: “Esperei esse abraço por tanto tempo e na mesma hora já tenho que me despedir?”.

Dias depois da Constelação, a mãe lembrou que quando estava grávida foi ao banheiro e achou que a tinha perdido. Foi ao médico e o bebê ainda estava lá. Ambas, mãe e filha concluem que houve um aborto durante a gravidez de H., irmão gêmeo da cliente. A mãe lembrou que havia escolhido nomes para a menina e para o menino: H. e Pedro. Outro evento lembrado foi que, na véspera de seu nascimento, a partir do ultrassom, o médico disse à mãe que ela nasceria no dia 17 de julho, mas ela adiantou e nasceu no dia 29 de junho, dia de São Pedro. Quando ela era pequena, a avó paterna brincava que ela deveria chamar Pedrita, e ela relata que ficava muito brava. Após a Constelação Familiar, os pesadelos acabaram.

Nas memórias e sonhos infantis, H. queria os irmãos gêmeos: a irmã gêmea e um irmão mais velho. Para Graziella Freni, são muitos os que estiveram no útero conosco. No entanto, temos dois mais importantes, ou quem sabe, cinco. Há, nos sonhos de H. a irmã mais importante e o irmão mais importante para ela. O primeiro, responsável pela identidade, o segundo, pela identidade de gênero, o terceiro, pelo acolhimento, especialmente após a perda dos dois primeiros. O quarto, o julgamento. O quinto, o meu reconhecimento, como uma ancoragem. Muitos sentimentos difíceis vêm dos traumas de perdas desses iguais.

Os sonhos infantis falam de um desespero, que a cliente traz para a vida adulta. No sonho lúcido, ela vivencia o luto pela morte do irmão gêmeo no útero, aquele a quem mais se apegou. Pede ajuda, nada acontece e depois chora muito, em posição fetal, sem ter consciência que chora pelo luto de um irmão desaparecido no útero. Não adiantava mais mesmo, ninguém poderia ter ajudado. Um processo biológico, que talvez tenha a ver com a filogênese, com o desenvolvimento e a efetivação da humanidade no planeta, sendo vivenciado como um grande luto. São muitos espermatozoides, mas um apenas fecunda o óvulo. Para que tantos? Por que tantos? Por que tantas células iguais, criadas pelas estaminais, que não se formam, como aqueles que nascem?

H. relata sonhos recorrentes aos quais chama pesadelos, terror noturno. Sonhos com a mesma temática: estava tudo bem e, de repente o clima fica estranho, denso, e ela já sabia que quem se aproximava mataria o familiar que estava junto com ela. Ela tentava impedir, mas sabia que não podia fazer nada. Acabava assistindo essas pessoas matarem o membro da sua família na sua frente.

Todos morrem. São absorvidos pela bolsa de quem fica, são derretidos no líquido amniótico. E quem está lá dentro, tendo apenas o tronco cerebral, sem poder fazer conexões e ter consciência do que ocorria, sem palavras, pois a linguagem, assim como o pensamento, ainda não existia, vivências essas mortes, esses desaparecimentos, sem compreender. Os sonhos, sabiamente, trazem as imagens, as dores, as vivencias traumáticas. Cabe a nós, hoje, dar o significado devido. E, como diz Jung, confirmar com o próprio cliente, se aquilo fez sentido para ele.

 

Sonho Linda Juventude

Segundo a cliente, no início de 2018 quando ainda morava com seus pais, houve uma noite que rezou e pediu que viesse uma mensagem no sonho, pois estava muito angustiada, triste, com uma sensação muito ruim. Ela relatou que teve receio de não entender o sonho e, em oração, pediu que a mensagem chegasse através de outro sonhador. No dia seguinte, seu pai contou que sonhou com o Pedro. Sonhou que escutou os passos dele que, em seguida, parou ao lado de sua cama. Nesse momento Pedro disse: “Pai, fala para a H. escutar a música Linda Juventude.”  Claro que ela foi ouvir a música com o pai!

 

Música: Linda juventude – 14 bis

Zabelê, Zumbi, Besouro

Vespa fabricando mel

Guardo teu tesouro

Joia marrom

Raça como nossa cor

 

Nossa linda juventude

Página de um livro bom

Canta que te quero

Cais e calor

Claro como o sol raiou

Claro como o sol raiou


Maravilha, juventude

Pobre de mim, pobre de nós

Via Láctea, brilha por nós

Vidas pequenas na esquina


Fado, sina, lei, tesouro

Canta que te quero bem

Brilha que te quero

Luz andaluz

Massa como o nosso amor


Nossa linda juventude

Página de um livro bom

Canta que quero cais e calor

Claro como o sol raiou

Claro como o sol raiou

 

Terapias, constelações são gatilhos para o acesso ao inconsciente. 

Na ocasião, segundo H., a música acalmou seu coração. Ela disse a seus pais que, após entender a música e sua mensagem, ela era a sua Carta de Alforria.

A mensagem da música acalmou o coração, a sensação era de estarem juntos, no amor.

E pensando na música, que é uma forma lúdica de trazer as emoções à tona, assim como qualquer expressão artística, como os contos e como os sonhos, ela só poderia trazer calma e alegria à cliente.

Primeiramente, parece completamente desconexa no que diz a letra, apesar da melodia ser gostosa de se ouvir e ser alegre.

Nossa linda juventude, tempo em que vivemos juntos lá longe, na barriga da mãe.

Zabelê, a ave cujas penas se confundem com a terra, se camuflam, se escondem facilmente, zumbi, morto-vivo, besouro, morte e ressurreição. Não teria sido assim no útero?

A vespa não produz mel, mas “guardo seu tesouro”, ou seja, sei de seus desejos, “raça como nossa cor”, somos iguais.

Apesar de nossa camuflagem, de estarmos conectados pela morte-vida-morte, somos iguais, em nossa linda juventude, época em que estivemos juntos, e nessa estrofe a declaração de todo amor, “claro como o sol raiou”, essa é a nossa utopia. O sentimento é profundo, porém, “Pobre de mim, pobre de nós”, bem longe, lá na  “Via Láctea, brilha por nós”.

Não há possibilidade de estarmos juntos, temos “vidas pequenas na esquina...” mas estamos juntos em outros lugares.

"Fado, sina, lei, tesouro", foi o destino, foi assim, é assim, e isso é rico pois Pedro não está aqui, mas ela, a irmã, sobreviveu, agora pode usufruir da vida em paz, com alegria. E novamente a declaração de amor: te quero bem, quero que você fique bem.

“Linda juventude, página de um livro bom” tempo maravilhoso, vivemos o paraíso na terra. Canta, irmã, que assim é que me honra por estar viva. Isso me deixa seguro como o cais e aquecido. Isso é claro como o sol que vem iluminar.

 

Meditação guiada

Durante uma das sessões, Ana Lucia propôs uma meditação guiada. Durante essa meditação a cliente mencionou ter visto a imagem de vários cistos em seu útero e cada cisto tinha um rostinho. Naquele momento ela sentiu que cada cisto representava um irmão/irmã. Ela tem ovário policístico e cistos cíclicos principalmente no ovário esquerdo. Essa foi uma imagem muito forte para H., segundo ela. E o exercício final foi de incluir todos os irmãos, independentemente de saber se eles, de fato, existiram ou não.

A meditação guiada pode ser chamada também de sonho. É uma técnica profundamente possibilitadora no trabalho terapêutico, técnica imaginativa, onde se sonha acordado.

 

Gostava tanto de você

Dias antes de uma sessão de terapia onde foi realizada uma constelação do Método Freni®, a música “Gostava tanto de você” reverberava na mente, não sendo possível esquecê-la. Como ela disse na ocasião: “a música não saia da minha cabeça”.

 

“Gostava tanto de você”

Edson Trindade

“Nem sei porque você se foi

Quantas saudades eu senti

E de tristezas vou viver

E aquele adeus, não pude dar

Você marcou em minha vida

Viveu, morreu na minha história

Chego a ter medo do futuro

E da solidão, que em minha porta bate

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você

 

Eu corro, fujo desta sombra

Em sonhos vejo esse passado

E na parede no meu quarto

Ainda está o seu retrato

Não quero ver para não lembrar

Pensei até em me mudar

Lugar qualquer que não exista

O pensamento em você

 

E eu

Gostava tanto de você

Gostava tanto de você...”

 

Podemos ver, claramente, a presença da temática da morte na canção que, aparentemente, fala apenas de amor. Segundo Graziella Freni, inconscientemente, olha-se para os irmãos que não nasceram com todo o sofrimento que vemos na canção e, estabelecendo um paralelo com a temática dos gêmeos que foram absorvidos no útero, ouvimos o poeta dizer para o(s) irmão(ãos) evanescente(s): Gostava tanto de você, meu irmão, mas você desapareceu. E agora canto esse canto triste, fúnebre... Não pude sequer me despedir, quando você se foi. Eu gostava... Mas você não existe mais. E me sinto mesmo culpada por você não estar mais aqui. Tenho medo do futuro e da solidão que me acompanha desde que você se foi. “Eu corro, fujo desta sombra, em sonhos vejo esse passado”. Nosso passado, registrado apenas em minhas células. E por isso mudo de lugar, para lá e para acolá, mas não resolve, não consigo te esquecer. Você vive aqui, comigo. E por não integrar conscientemente você em minhas memórias, vivo no sofrimento. Sobrevivo.

 

Sonho, antes das férias da terapia

“Eu estava sozinha em um quarto, com colchão e roupa de cama iguais aos meus. Depois começaram a aparecer pessoas. Primeiro, pessoas do meu local de trabalho atual e depois pessoas de um trabalho de três anos atrás. Depois apareceu uma pessoa da minha turma de constelação. Aí todas as pessoas viraram uma turma de constelação. Estávamos todos deitados e tinham vários colchões no chão. Percebo que alguém que estava no colchão do lado me abraça e quando viro vejo que era um moço que foi meu colega na faculdade. Tinha hora que eu saia e hora que eu deixava, porque era bom receber um abraço e como estava de costas, nem podia ver quem era. Já era noite e as meninas queriam sair para dar uma volta. Eu não queria ir porque fiquei preocupada que ia dormir pouco e não ia conseguir acordar para ir ao curso na manhã seguinte. Fiquei pensando: “Como elas conseguem dormir tão pouco e estar dispostas no outro dia. Queria ser assim também”. Estávamos andando na rua e eu estava muito incomodada porque elas estavam com vestidos bonitos e eu estava com um pijama feio e curto. Andamos até chegar em um jardim de uma casa. A casa estava de portas abertas. Subimos alguns degraus de uma escada e entramos. Havia vários objetos diferentes dentro dessa casa.  Tive medo. Achei que a casa era de um feiticeiro e falei que era melhor irmos embora. Nesse momento, aparece uma moça e começa a conversar com a gente. Essa moça começa a tratar todos nós. A casa era um templo. Estávamos todos sentados e ela falando e curando. Podíamos fazer perguntas e ela respondia. Depois estávamos em pé. Uma colega da faculdade estava lá. Uma pessoa que foi uma grande amiga minha também estava lá. Também tinha uma outra moça, com óculos de armação escura e grossa, com uma mochila preta nas costas. A moça, dona do templo, pergunta para ela porque ela usava essa mochila e a moça dos óculos disse que ela usava a mochila na escola e continua usando até hoje. Depois a Fernanda, que foi amiga de infância, olha para mim e eu levito em pé até o teto e desço deitada no chão. Como se alguém estivesse me segurando no colo e colocado suavemente no chão. Esse movimento se repete duas vezes. Eu estava muito feliz, me sentindo o máximo. A moça dona do tempo olha para mim com um olhar muito sério e vem na minha direção. Ela me fala para eu dar um selinho na boca dela e eu acho isso muito estranho. A Fernanda olha para mim feliz e fala: “Não tenha medo de se encontrar”. Na hora eu penso “Será que essa moça sou eu?”. Assim que dou o selinho despenco de lá de cima. Paro de flutuar e caio no chão. A moça dona do templo me fala que eu não estou aberta para os relacionamentos. Ela me pergunta se eu vou ficar mais um tempo lá e eu falo que sim por causa do curso de constelação. Ela me fala para eu ir em um determinado mestre (não me lembro o nome porque ela falava muitas palavras em outra língua. Parecia palavras indianas. Palavras que usa na meditação, no budismo...). De repente, vejo a minha cachorrinha do lado de fora do portão e percebo que estou na garagem da casa dos meus pais. Fico aflita de ver que ela está na rua e abro o portão para ela entrar. De repente estávamos na cozinha da casa dos meus pais. Um moço com túnica branca e cabelo escuro coloca um colar de contas vermelhas no pescoço da cachorra. Depois começa a brincar com o meu cabelo e brincar comigo de forma alegre com um pano vermelho com detalhes em dourado. Eu sinto que aquela brincadeira e o toque curavam. Eu falo para ele que a moça do templo me disse que eu deveria fazer um curso com o mestre. Ele me fala que o mestre agora ficava apenas na formação de outros mestres. Disse que eu deveria participar dos encontros abertos a todos, que tem bastante gente. Saio pela porta da cozinha e volto para o templo. A moça, dona do templo, está vendendo semijoias.  Escolho várias e fico querendo comprar todas. Começo a conversar com ela e fazer perguntas. Faço alguma pergunta e ela me fala que a Fernanda veio para viver os mesmos tipos de relações que eu. Saímos para dar uma volta. Ela me conta da dificuldade dela com os relacionamentos. Nós estávamos andando em um tipo de quadriciclo e era noite. Vejo o pai dela em miniatura, deitado no chão de terra. Ela não percebe e passa por cima, mas as rodas não pegam ele. Eu não falo nada para ela porque sabia que o pai dela já tinha morrido e aquilo era só uma imagem (holograma). Mas fico preocupada se as rodas realmente não pegaram ele. Ela fica muito mal quando fala sobre isso, sobre a dificuldade dela com os relacionamentos. Fala que quando teve dificuldades procurou o seu pai, que era a única figura masculina que ela tinha. Eu também falo do meu pai, de tudo. Ela fala que eu fui muito corajosa de estar lá. Ela fala que eu tenho dois pontos machucados, mas não consigo lembrar o nome, porque é uma língua que eu não conheço (indiano, sânscrito, budismo...). Ela me fala que eu deveria tocar um instrumento e me mostra ele. Ele tem formato cilíndrico, a cor puxa para o roxo e tem a foto dos mestres ascensionados. Tem furinhos de onde sai um sopro de lá de dentro. Ela ia colocando o dedo em cima de alguns furinhos e ia formando sons e uma música. Pergunto se tudo o que ela faz é budista e ela fala que sim, mas também tem do candomblé e de uma outra religião que eu não entendo a palavra. Voltamos para o templo e era dia. Eu estava com um pano em volta de mim, uma saia que eu tenho, verde e creme. Subimos uma escada que no topo tem duas árvores. Uma em cada lado. Passamos no meio das duas e meu cabelo fica preso nos galhos. Falo que a árvore está fazendo carinho em mim.  A moça me fala para eu colocar uma flor da árvore no meu cabelo. Eu coloco e a árvore deixa mais uma flor. Fico com dois arranjos de flores brancas no cabelo. Eu estava linda e radiante.  Subo em uma árvore e as pessoas falam comigo. Um menino começa a falar e brincar que não vai voltar do meu lado no carro por causa das flores e ri e eu falo que eu vou do lado dele sim e dou risada e coloco as flores para cutucar ele. Eu percebo que estou leve, brincando e tendo amizades com homens. O despertador toca”.

 

Considerações sobre o sonho

Esse é um sonho que contém muitas informações sobre o sistema gemelar e o processo da cliente. O sonho começa com ela sozinha em um quarto, com colchão e roupa de cama iguais aos dela, apontando já a presença do igual, do gêmeo.

H. acaba de se separar do marido. O fato de estar sozinha, no início do sonho, remete a essa situação. No entanto, imediatamente vê o colchão ao lado, igual ao seu. Teria sido seu marido colocado no lugar de um de seus gêmeos?

São muitos ambientes visitados pela sonhadora, com pessoas de várias turmas, mas de repente todos viram da mesma turma. Todos deitados. Na realidade, todos juntos, iguais, com colchões no chão, na mesma bolsa. Porém, também as meninas saiam e posteriormente, eles vão para outros lugares, como se em bolsas diferentes.

Há uma menina especial, a dona do templo, que trata a todos, que pergunta e responde. Seria essa quinta gêmea mais importante, de outra bolsa, para quem H. olha fixamente após os traumas iniciais, onde perde os principais e todos parecem, então, precisar de cura?

Essa gêmea teria as características descritas, é poderosa, poderia curar tantas dores; é quem conduz, quem orienta, é crítica, diz que a sonhadora tem dificuldades, que não está aberta aos relacionamentos.

E faz a sonhadora se perguntar se aquela não seria ela.

Sim, após os grandes traumas de perda, no útero e fora dele, nos perguntamos muitas vezes se seríamos nós, quem somos nós. As vezes nos identificamos com o outro e projetamos nossas coisas no outro. O sonho mostra, também, o quanto de confusão a sonhadora vive. Em relação a sua identidade, em relação aos julgamentos, em relação a sexualidade. Ela busca não ter medo de se encontrar, mas ao dar o “selinho” na boca da dona do templo, para de flutuar e despenca lá de cima, caindo no chão como se, então, levasse um “choque de realidade” com a informação que recebe, que talvez confirme sua crença, de que é ela a culpada pelos relacionamentos não darem certo. O que teria ela feito no útero? Estaria H. em contato com a realidade? Que realidade?

Os sentimentos de menos valia e inferioridade em relação às colegas, que saem a noite, realizando o que ela não consegue fazer, podem apontar para as dinâmicas ocorridas dentro do útero em relação aos grandes e pequenos, às posições dentro das bolsas, onde se via o escuro ou o claro. No sonho há o desejo de ficar mais bonita, de comprar semijoias, como se reencontrasse suas irmãs bonitas e se quisesse ficar mais bonita mesmo, pois se sentia inferior, sem competência em relação a estar acordada e inteira durante a noite, com roupas inferiores.

O ser humano sempre teve uma certa tendência de projetar seu guia interior sobre personalidades exteriores e a tornar-se seu admirador e imitador. Porque seguir a própria estrela quer dizer isolamento, não saber para onde ir, ter que descobrir um caminho completamente novo para si mesmo, em vez de simplesmente seguir o mesmo caminho que todos usam. Essa dinâmica começa no sistema gemelar. Nos perguntamos com quais irmãos, mas a resposta é diferente para cada um de nós. Lá nas bolsas, com os irmãos que são maiores, que se vão primeiro, por vezes desenvolvemos um relacionamento especial, como se eles fossem guias, mestres, iluminados. No sonho de H. olhamos para uma passagem onde aparece o mestre, com quem ela deveria ir conversar. Esse é o representante do sábio, relacionando-o como o próprio self, o centro divino da psique. O mestre poderia ser um desses irmãos maiores, que poderiam orientar o sonhador.

O sonho trata também das questões com o masculino. O primeiro momento onde isso aparece é quando um menino a abraça e ela permite, “porque era bom receber um abraço”, mas a dificuldade se mantém na medida que não pode ou não quer ver quem era ele. Uma das dificuldades da cliente é a imensa vontade de proximidade, de querer ser compreendida sem palavras. Essa imagem do sonho realiza esse desejo. Essas questões voltam a aparecer no sonho quando ela conversa com a dona do templo sobre o pai. Nesse momento vê-se a confusão entre estar vivo ou morto e o desconforto que sugere um trauma sexual, especialmente quando fala para ela sobre o seu pai, fala tudo.

As questões relacionadas à sexualidade se mostram, ainda, na aflição que a sonhadora sente da cachorra estar do lado de fora, na rua – em outra bolsa? – correndo  risco. Então, a coloca dentro de casa junto com o moço, que agrada a cachorra e acaricia H. na cozinha da casa dos pais, trazendo o toque que cura. O passar entre duas árvores (o feminino e o masculino? os dois principais irmãos espelho: irmã e irmão?) onde seu cabelo fica preso e ela tem a sensação de que os galhos fazem carinho nela, é para ela que a árvore dá flores e a moça autoriza que ela pegue a flor, símbolo do feminino e se enfeite mais. Ela se sente bela, radiante. E finalmente o menino que, no final do sonho, fala e brinca com ela, sendo correspondido, brincando com flores e com toques físicos, que fazem com que ela perceba que pode se relacionar com homens. É a descrição de uma jornada.

Ao falarmos sobre o sonho, H. relata que seu pensamento, ao acordar, foi “Eu ainda não desisti”.  “O plano A da minha vida sempre foi viver e tentar, mas sempre tive o plano B que era morrer caso eu não conseguisse o plano A.”

 

Sonho recente

“Sonhei que estava apavorada. Via uma menina, colega de escola de quando eu era pequena, andando junto com a mãe dela. Minha mãe também ficava um pouco incomodada. Essa menina me perseguia e me provocava. Ela gostava de me ver assustada. Eu estava transtornada.

Minha mãe me fala para eu conversar sobre isso com a Ana Lucia.

...

Depois a cena muda e eu estava no sítio dos meus avôs maternos. Um casal havia morrido lá no sítio. Eu vejo o casal deitado e morto. Muito sangue, meio comido (cena horrível). Tinha um bicho ao lado. Ele parecia morto, mas abre os olhos.

...

Quando esse animal se levanta, minha mãe tentava me salvar.

As personagens mudam, mas continuo no mesmo lugar, no sítio. Depois a minha mãe vira uma outra mãe. Essa outra mãe tanta salvar o filho dela desse animal. É como se eu estivesse acompanhando essa outra mãe e ela vai me contando como ela perdeu o filho dela. Tem hora que eu assisto e tem hora que é como se eu fosse o filho.

...vamos para outro lugar. Para a formatura do filho dela. Eu vejo a aquela colega de escola de quando eu era pequena sentada no banco da igreja onde a formatura estava acontecendo. Me dou conta de que ela via o futuro. Nesse momento ela começa a chorar no banco e eu penso que algo ruim está para acontecer. Nessa hora eu me sento em um outro banco (eu volto a ser eu mesma). Aquele bicho entra na igreja e come uma menina na nossa frente e de todos que estavam sentados assistindo a formatura. Depois ele come o menino (filho da moça que eu conversava). Mesmo a mãe tentando salvá-lo, não consegue. Eu caminho até o lugar que os dois morreram e sento junto com eles.

...

De repente estou em outro lugar. Como se fosse a fila de um mercado. Muitas pessoas estavam na fila com malas e sacolas vazias e muito grandes. Algumas estavam em duplas e outras sozinhas. É como se não tivesse comida para todos e as pessoas estavam em disputa.

...

Todos tinham que passar por uma porta com panos pretos. Tinham vários panos e eles ficavam em volta das pessoas, como se formassem uma bolsa. As pessoas ficavam dentro dessa bolsa antes de passar para o outro lado da porta. Alguns iam em duplas e outros sozinhos. Tinha uma pessoa cuidando dessa porta. A minha mãe queria ir com a filha dela (uma que ela não havia me contado que tinha tido antes de mim) e não deixaram. Elas se perdem. Após atravessar a porta tinha muita gente. Eu acompanhava a menina (irmã), que estava perdida e procurando a mãe (minha mãe). Tinha uma mulher que podia ter ajudado essa menina a encontrar minha mãe, mas não ajudou, porque estava mais interessada nos assuntos dela própria.

...

Vou para outra cena. Sou criança, tenho uns 3 anos. Sou loira e de cabelos cacheados. Minha mãe estava nua, deitada na cama. Tinha várias bolinhas feitas de caneta na barriga e parte do útero dela. Meu pai era representado por um cara sem noção que só queria saber de transar com ela, independente de ela querer ou não. Eles me viram.

Na próxima cena eu continuo tendo 3 anos e abraço minha mãe e falo que a amo muito e ela fala que também me ama. Eu falo que essa vida não vai ter nada a ver com as vidas passadas, porque eu a amo muito e ela também me ama. Ela fica confusa e pergunta quais vidas passadas. Na hora que ela começa a acessar essas vidas meu pai morde a bochecha dela e fica a marca dos dentes dele. Faz isso para ela ficar quieta e parar de pensar. Ela entristece e volta a ficar apática. Meu pai tem algum grande incomodo com ela. Acho que tem a ver com a primeira filha dela (tive a sensação de ser filha deles)”.

 

Considerações sobre o sonho

Esse sonho traz a questão do “comer” que, tem a ver com a alimentação e a sexualidade, que se mostra bem presente no final do sonho.

O Irmão que fica pode ter a sensação de “comer” os irmãos que são dissolvidos, já que temos orifícios. Graziella diz que muitas questões ligadas a transtornos alimentares passam pelas sensações do útero. Isso envolve um sentimento de culpa, como se tudo tivesse ocorrido por conta do bicho, que pode ser a própria sonhadora. E ela, através da amiga, sabe que esse monstro vai devorar todos, que não vai sobrar ninguém.

Há um pedido de ajuda para a mãe, que representa um irmão grande, mas ela o nega, dizendo que a sonhadora o peça para sua terapeuta, outra “irmã grande”.

A sonhadora conta que há uma menina que a persegue, essa é uma história que se repete também em seus sonhos e medos infantis. E ela conta a história da “menina do porão”, que a apavorava quando ela era pequena.

A percepção vai para aquela gêmea acusadora, que apontava suas culpas em relação a não ter conseguido salvar os irmãos da morte. E é uma perseguição que se vê claramente neste sonho, durante todo o sonho, culminando com seu pai, nas últimas cenas. Ele é sutilmente agressivo, a mãe fica completamente passiva. Há segredos ali. E no final, a cena da sexualidade retorna, de modo a sugerir que ali também há abusos, traumas sexuais.

São situações sexuais que podem ter iniciado lá no sistema gemelar e que a cliente pode, por ressonância, ter levado para a vida fora do útero.

 

Finalizando...

Naquela época não tínhamos o neocortex, mas tínhamos emoções. Passamos de uma sensação de plenitude para uma sensação de vazio. Trabalhamos no sentido do reconhecimento das dinâmicas de sofrimento através do onírico, do lúdico, de ferramentas simbólicas, de representantes. Tanto o reconhecimento daquilo que acontece na mesma bolsa quanto daquilo que acontece em outras bolsas. É como se transportássemos a matriz das dinâmicas com os gêmeos para os relacionamentos com a família, com as pessoas, conosco. E tudo isso é permeado de muita dor. Como diz Freni, “de dor em dor; através da dor conseguimos nos conectar, inconscientemente, com os irmãos. E buscar aquele ciclo de vida abundante do início e sair da comunidade de destino para algo maior”.

Recuperar a alegria de viver e compreender que os outros gêmeos não nos abandonaram, mas que estamos vivos graças a eles é o objetivo deste trabalho. 

As intervenções terapêuticas com o sistema gemelar, utilizando o Método Freni®, trazem a possibilidade do mergulho no útero, no grande inconsciente. E os sonhos trazem a possibilidade de desvendar e integrar. Ou seja, voltar para a alegria. Na dor estamos na separação. Só na alegria, na autorização para a Vida é que estamos todos juntos.

 

Referências Bibliográficas:

- Biblia Sagrada Online. https://www.bibliaon.com/ . Consultada em fevereiro de 2021.

- FRANZ, Marie Louise Von. O Caminho dos Sonhos. São Paulo: Editora Cultrix; 1993.

- FRENI, Graziella Concetta. Apostila do Curso Formação Internacioanl Método Freni®, Constelação e Sistema Gemelar. Nível Estrutural. 2020.

- FRENI, Graziella Concetta. Apostila do Curso Formação Internacioanl Método Freni®, Constelação e Sistema Gemelar. Nível II. 2021.

- JUNG, Carl Gustav. Seminários sobre análise de sonhos: Notas do Seminário dado em 1928-1930. Petrópolis: Ed. Vozes.

- HELLINGER, Bert. A Simetria oculta do Amor - por que o Amor faz os relacionamentos darem certo. Ed Cultrix ltda., primeira edição 1998.

- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Trad. de Evandro Noleto Bezerra. EDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA Departamento Editorial e Gráfico Rua Souza Valente, 17 20941-040 – Rio de Janeiro-RJ – Brasil.

- SILBERFARB, Benomy. Hipnoterapia Cognitiva: Tratamento Clínico dos Transtornos de Ansiedade e de seus Sintomas. Synopsis Editora.

 

AS AUTORAS

ANA LUCIA BRAGA

Nasceu no Rio de Janeiro – RJ, mora atualmente em Ribeirão Preto – SP. É Terapeuta de Constelações Sistêmicas, de crianças e adultos, professora universitária e escritora. Atua como facilitadora de grupos terapêuticos, de estudos, de pais, de crianças e adolescentes, desde 1988, e como consteladora sistêmica desde 2004. É Pedagoga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Psicopedagoga Clínica e Institucional pelo Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto e Mestre em educação, pelo departamento de Psicologia da Educação, da UNICAMP. Atuou amplamente na área de educação, passando pela educação infantil e, educação informal, educação de adultos e moradores de comunidades no Rio de Janeiro. Atuou também como alfabetizadora, como professora de ensino técnico e na formação de professores. Na universidade, tanto em cursos de graduação como em pós-graduação. Cursou algumas formações na área de educação e na área de psicologia, como terapia corporal neo reichiana, curso para coordenação de grupos, entre outras. A formação em Constelações Sistêmicas deu-se em São Paulo, em 2004, com Renato Shaan Bertate, dando continuidade com Bert e Sophie Hellinger em Treinamentos Avançados, no Brasil e no México. Assim como com diversos terapeutas, como os alemães: Jacob Schineider, Mimansa Erica Farny, Mariane Franke, Hady Leitner, Mathias Vargas, Insa Sparrer e Franz Ruppert. Participou da 1ª. Turma do Curso Método Freni® e o Sistema Gemelar está em formação na 1ª. Turma de Docentes do mesmo curso, da professora-consteladora Graziella Concetta Freni.  Está em sua 9ª. Turma de seu Curso de Formação de Consteladores, desde 2010.

Livros publicados: 1. A arte da guerra desperte o Sun Tzu que está dentro de você. Editora Ser Mais (co-autora), 1997. 2. Constelação Familiar: relatos de Conflitos e Soluções. 2ª. Edição. Editora Appris, 2017. 3. Constelações Sistêmicas, diversos olhares para diferentes realidades, Editora Appris, 2019. (organizadora e autora).

 

CAROLINA TELES FREGONESI

Nasceu em Presidente Prudente – SP, atualmente mora em São José do Rio Preto – SP. É Psicóloga formada pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Atua como psicóloga clínica, psicóloga institucional e facilitadora de grupos, há nove anos. Tem ampla experiência em atendimento clínico individual e atendimento em grupo. Presentemente atua como Consteladora Sistêmica. Já atuou na área hospitalar, em diversos setores: UTI adulta e neonatal, Pediatria, Oncologia, Clínica Médica, dentre outros. Tem experiência com atendimento a pacientes psiquiátricos, uma vez que trabalhou no Hospital Psiquiátrico e no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Tem experiência com atendimento individual e grupal para o público idoso – Lar de idosos São Rafael. O trabalho com crianças e adolescentes se deu em consultório e em Projeto social direcionado para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Atuou com o público autista, no atendimento individual e em escola especializada. Desde março de 2020 trabalha com deficiência intelectual na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE. Também atua como palestrante. Cursou algumas formações na área de psicologia, como: Pós graduação em atendimento psicanalítico pelo Núcleo de Psicanálise de Marília e Região; Atendimento com arteterapia e atendimento em grupo, pelo Centro Riopretense de Arterapia; Capacitação em Recursos Humanos – FGV/Campinas, dentre outros. Seus artigos publicados são referentes a como os contos de fadas contribuem para o desenvolvimento psíquico.

Leia mais

SOBRE TOMAR A MÃE

Data: 31 de January de 2025

 

Sobre tomar a mãe

Por Ana Lucia Braga

Maio de 2023

Tomar a mãe, para as constelações sistêmicas, é um tema muito importante. Significa que nós podemos, independentemente do tipo de mãe que temos, olhar para ela com respeito e dizer: “eu reconheço o amor que eu tenho por você; reconheço que te sigo em muitos padrões, reconheço as minhas expectativas e reconheço que você é apenas uma mulher comum. Reconheço que eu queria muito mais do que aquilo que você pôde me dar; reconheço que você me deu a vida e isso é tudo e que, além da vida, me deu um tanto mais”.

Em alguns casos, temos uma mãe adequada, uma mãe funcional; temos uma mãe do tipo daquelas que vemos na televisão e que é nosso sonho de consumo. Em outros casos, talvez em muitos, temos uma mãe que não tem nada a ver com aquilo que a gente queria, muito pelo contrário, temos uma mãe que é perversa, uma mãe que maltrata, que pensa só em si própria, que pragueja, que manda a gente para os quintos dos infernos, de verdade; às vezes de vez em quando, às vezes todos os dias. Em outros casos, ainda, temos uma mãe que não é nada possibilitadora. Esses últimos “tipos de mãe”, são os mais difíceis de se tomar, porque a gente passa a vida tentando mudar essa mãe, essa mulher. A gente passa a vida tentando, esperando coisas dela, tendo expectativas. Como se acreditássemos que uma mágica, alguma coisa poderia acontecer para mudar essa mulher.

E isso não aconteceu, não vai acontecer, isso não é verdade. Esse é, realmente, o pensamento mágico.

Bert Hellinger falou um bocado sobre tomar a mãe em todo seu trabalho de constelações sistêmicas familiares.

Nesse campo, esse é um tema que, muitas vezes, determina o sucesso profissional, o sucesso nos relacionamentos, o sucesso na vida, pois a mãe é a base. Ela está lá, no que é de mais fundamental para nós. O amor cego, esse tipo de amor que realmente compromete a gente, é um amor de lealdade, um amor inconsciente, um amor de fealdade à mãe e ao sistema familiar. E, muitas vezes, por essa mãe, talvez se queira até morrer, se queira repetir destinos, adoecer por ela, se doar por ela, para ela.

E, como é um processo inconsciente, se fica lá, comprometido com tudo isso, sem se dar conta de que a vida vai passando e a gente está esperando, continua completamente conectado à mãe.

Respeitar essa mulher, respeitar essa mãe, é essencial, entendendo que ela não vai mudar, que esse desejo é movido pelo pensamento mágico, e que se pode reconhecer as expectativas e dar conta delas, porque as expectativas são pessoais. Se pode até dizer: “eu sinto muito por ter expectativas em relação a você, por querer mudar você, por querer, por esperar que você ainda faça para mim coisas que você não vai fazer”.

E, a partir daí, honrar essa mulher de outro modo, fazendo o que se pode fazer de melhor por si próprio, ir viver a própria vida. E isso não significa esquecer tudo que ela te fez de ruim, todos os abandonos, as rejeições, as agressões, aquilo que houve, especialmente na infância.

O objetivo das constelações é restabelecer o fluxo amoroso dentro do sistema. Para isso, o reconhecimento de que se recebeu a vida e das pessoas que possibilitaram esse grande evento, do amor inconsciente que se sente por essas pessoas e o desejo de que esse vínculo seja bom, inclusive pela necessidade de pertencimento, o reconhecimento também de toda dor vivenciada no sistema e pelo sistema, são fundamentais.

Independentemente do que ocorra no sistema, a mente humana está projetada para se relacionar, tem seu início na relação de total dependência com a mãe, no início, com o desejo de pertencer, que implica vida ou morte, com o arcaico sentimento de que, para viver, é necessário o amor da mãe.

Olhar para ela e dizer “sim” para tudo o que ela tem de bom, “sim” para tudo o que ela tem de ruim; “sim” para todas as complicações dela, para todos os xingamentos, para todas as inadequações, é um grande passo dado nas constelações sistêmicas. E “Sim” é sim mesmo. E agradecer e respeitar o que foi, do jeito que foi, e ir viver a própria vida. Viver a própria vida e não julgar, olhar para fora, olhar para a história, para aquilo se quer, inclusive, dizendo “Eu quero”.

Muitas histórias de dificuldades com a mãe, com os pais, passam por traumas sistêmicos, que tendem a se repetir de geração em geração. Contudo, a repetição só encontra os mesmos velhos caminhos. E o sofrimento da infância se repete, se repete, se repete. Ou é passado adiante. Ou, como também sabemos, é transformado em sintomas corporais. E há tantas doenças, tantos sintomas físicos quanto a diversidade de problemas com os pais na infância ou adolescência.

Certa vez me perguntaram como é que se fazia para se livrar da mãe agressora. Respondi que essa não é uma missão fácil, especialmente porque precisamos nos interrogar: quantos dos comportamentos dela tenho reproduzido? Será que, nos relacionamentos com os seus parceiros ou com os amigos, com os colegas de trabalho, já não existe a reprodução do tipo de relacionamento que se tem com a mãe? Ou que se teve um dia?

E como fazer com uma pessoa que é agressora? Como conviver pacificamente com uma pessoa que é um agressor? Apesar de ser uma pessoa a quem se ama... ainda que, às vezes, seja muito difícil reconhecer esse amor.

Vamos às receitas de bolo: como já dito, a primeira coisa é dizer sim para tudo; a segunda é delimitar os seus próprios espaços. E isso também não é fácil, mas é possível.

Pode-se tentar evitar todo tipo de conflito, como se lida com uma criança pequena: quanto menos você diz “não”, melhor. Pode-se exercitar o sim, não dizer não, nem pensar não, não, não. Porém, é entender que essa é uma missão impossível, só continua a retraumatização, a frustração.

Portanto, o essencial é que se possa tomar a própria vida. Sair da ressonância e da conexão das informações negativas, dos sentimentos negativos é também muito importante. Porém, o comando principal está em olhar para ela “vendo” que ela é só mãe, que se tem a própria vida, que se abre mão, desiste de querer mudar algo, de querer salvar, de querer receber o que se deseja dela, de querer que ela faça diferente. Se é uma mãe disfuncional, ela ainda vai querer que o filho seja mais dependente. Então, buscar ajuda para sair dessas armadilhas é o essencial. E essa é a real receita: buscar ajuda.

Como viver na mesma casa, já adulto, com a mãe? Como viver com a mãe, tomando tudo o que ela tem de bom e de ruim no dia a dia? Como conviver com essa mulher?

Isso é o mais difícil. Porque quando se está com a mãe, morando na mesma casa, especialmente quando já se é adulto, parece que o desejo de mudar essa pessoa se fortalece. E com ele as críticas, os julgamentos, as memórias teimosas em relação ao passado, às expectativas e aos sofrimentos. Há, de fato, um grande conflito, uma dificuldade. Não há como controlar os julgamentos, que também são armadilhas, pois aumenta a probabilidade de se fazer como o outro, quando se julga. Outra dica: pode ser um recurso dizer: “eu sou como você, eu faço como você”. E se observar, pois provavelmente já se está fazendo como ela. Se não faz com um outro qualquer (seu filho, seu relacionamento, seu amigo), você faz como ela com você mesmo, como já dito acima.

Ademais, o que cabe entender nessa situação de morar com a mãe? Se já se é adulto e continua morando com a mãe, não se conseguiu sair de fato da infância, ou se retornou para ela; se deu à mãe a possibilidade de estar como a mãe na relação com a criança, como “a grande”, diante do filho pequeno, como a que dá as ordens, como aquela que comanda. A experiência mostra que as situações só se complicam mais, pois a tendência é que em casa de adultos a disputa apareça: disputa de poder, de espaços... Há uma grande probabilidade de se estar diante de um trauma de identidade. Quem é quem aí? O filho tem partes suas identificadas com a mãe e sequer sabe quem ele é, nem o que quer.

E, se não se sabe o que se quer realmente, está fadado a continuar na infância. E isso é o principal em relação a tomar a mãe.

A mãe idealizada não existe. A mãe não vai mudar. É chegada a hora de reconhecer que dela se recebeu o suficiente, pois se está vivo.

Retornamos à busca por ajuda.

Com um “ajudante”, um terapeuta, pode-se e deve-se reconhecer todas as dores impetradas por ela, quem sabe falar a um terapeuta sobre todas essas dores, alguém que ouça você, com uma escuta terapêutica, sem julgamento, com empatia e acolhimento. Alguém que seja uma “Testemunha Esclarecida”, como diz Alice Miller, com quem se possa acessar os sentimentos de dor, de raiva, de tristeza; com quem se possa compartilhar as tragédias pessoais em relação a mãe (e quem sabe ao pai também), até porque nós sabemos que uma criança maltratada, no futuro, assumirá a postura do algoz, como estratégia de sobrevivência. Ou vai procurar relacionamentos tóxicos e não possibilitadores para, a partir da repetição, tentar encontrar a cura para seus traumas.

A crueldade dos pais na infância, quando não tratada em terapia, com o auxílio das constelações, pode fazer com que o desafeto “vire” contra a própria criança. A rejeição, o abandono, a frustração, o ódio, as ilusões de amor, do não merecimento do amor da mãe (dos pais) são sentimentos que, se não vistos, não reconhecidos, não acolhidos, podem ser dirigidos contra si mesmo, com frieza, mentira, vontade de morrer, de machucar a si próprio e ao outro. Mas, como já dito aqui, entrar nessas dores e sair delas só é possível se houver um bom acompanhamento terapêutico, uma boa escuta; o reconhecimento de que foi muito difícil, é o caminho para se tornar adulto. Não a concordância, a “tolerância” com tudo de ruim que aconteceu, mas o reconhecimento daquilo que foi, como foi; não uma condenação da mãe, mas abrir para si a perspectiva de que se pode sentir e reconhecer, inclusive a da renúncia ao vínculo destrutivo, se isso ocorre. E quero dizer com isso que, em alguns casos, o relacionamento com a mãe continua tóxico para o adulto. E que ele pode cortar esse vínculo, por exemplo, se afastando do ambiente tóxico. E com ela fica o que é dela, sem querer maquiar, ou minorar os efeitos da responsabilidade daquilo que ela (ou o pai) impetrou.

O reconhecimento daquilo que se recebeu, o sentimento de gratidão pela vida é tão importante quanto reconhecer as expectativas insatisfeitas, que ficarão para sempre insatisfeitas, assim como o aumento da empatia pela criança que sofreu, que pode ser acolhida pelo adulto de agora. 

Mais uma “dica”:

A cada minuto do seu tempo vivido de cada dia, pode-se buscar honrar pelo melhor que se pode fazer por si mesmo, pelo melhor que se pode dar a si próprio. Não negamos os “defeitos” dela, olhamos para aquilo que fazemos como ela, nos diferenciamos e vamos viver a vida: é o essencial.

Uma possibilidade de ajuda são as constelações sistêmicas, onde se pode observar os emaranhamentos com a mãe, especialmente conectados com o transgeracional, com o sistema familiar, de um modo geral, como já apontado. Cada pessoa tem seu próprio sistema, cada sofrimento é único, portanto, a relação difícil com a mãe pode estar conectada com dinâmicas sistêmicas diversas. A constelação é uma intervenção terapêutica, que coloca representantes para o cliente, o conflito e outros elementos do sistema, de acordo com a percepção do terapeuta. No caso de conflitos com a mãe, claro, a mãe deve estar representada. Os representantes trazem informações do ocorrido no sistema e chega-se à resolução ou não, com movimentos e frases de solução.

Outra possiblidade são os EcoMs, ou seja, Encontros Consigo Mesmo, da Iopt (Terapia do Psicotrauma Orientada para a Identidade), preconizada por Franz Rupert, terpeuta, professor universitário e pesquisador alemão. Franz criou o Método da Intenção, que passou por muitas transformações até chegar no formato atual, no qual o cliente formula sua intenção, seu propósito, verbalmente e por escrito. A partir de sua frase de intenção, se escolhe três palavras,  que serão representadas por ressoantes, pessoas que partipam do EcoM.

O Método da Intenção teve início em 1995, com as Constelações Familiares. Em 1999, foram os Movimentos da Alma. Em 2001, as Constelações de Traumas e da Psicotraumatologia Multigeracional; a partir de 2005 vieram as Constelações de Traumas. Em 2009, Franz chegou à Constelação da Intenção; em 2015 vieram os Encontros consigo mesmo (ECoM) com a frase de Intenção. Em 2016, a Teoria e Terapia do Psicotrauma orientada para a Identidade e Método da Intenção, Constelação da Identidade.

O Método ainda está em construção, como nós e nossas relações. A informação mais preciosa é de que o movimento existe, portanto, há possibilidades para todas as relações, porque há vida.

Antes de iniciar faz-se importante, por parte do terapeuta, realizar um escaneamento corporal, colocando o cliente em contato com seu corpo; o cliente ou demandante, como se prefere dizer nesta abordagem, escreve a frase, como já dito, escolhe as 3 palavras e os ressoantes ou representantes. Representantes colocados, após um pequeno espaço de tempo, o demandante faz perguntas sobre o que ocorre com os ressoantes. Como somos seres humanos, temos a capacidade e a habilidade de entrar no campo do outro e trazer informações. Para o demandante, é sempre muito possibilitador poder se sentir no comado de uma investigação sobre si mesmo e se sentir reconhecido e compreendido em suas dores. O objetivo do trabalho é que o cliente se reconheça nas imagens espelhadas que os ressonantes ofertam, percebendo, inclusive, as estratégias de sobrevivência utilizadas por ele. Neste sentido, é possível colocar um fim na cisão causada pelo trauma.

Parte-se do princípio de que a mente, a psique está dividida em partes: a saudável, a traumatizada e a sobrevivente. Em um EcoM, não sabemos que partes do demandante estarão representadas, nem com quem estarão identificadas. Como a intervenção é fenomenológica, apenas a partir da colocação dos representantes a trama poderá ser desvendada. O demandante conversa com suas partes usando a sua própria fala, sendo acompanhado e auxiliado pelo terapeuta, quando é necessário se fazer leituras e se colocar falas mais precisas.

A Iopt - Terapia do Psicotrauma Orientada para a Identidade objetiva olhar para os traumas pessoais, para a autorressonância, para a traumabiografia. E inúmeras estratégias de sobrevivência utilizadas por nós têm a ver com a relação inicial com a mãe, que pode começar com os traumas de vinculação, que têm a ver com situações que envolvem perpetradores e vítimas no sistema familiar, onde a mãe está conectada. Se o sistema de vinculação está traumatizado, o que percebemos é que a criança pode se tornar perpetrador ou vítima no futuro. Ou as duas coisas.

O cliente pode estar conectado com traumas precoces, ou seja, desde o ventre da mãe, na fase intrauterina, até o terceiro ano de vida, mais ou menos.

Então, a relação difícil com a mãe pode passar por trauma pessoais?

A resposta é sim. E, não só a relação com a mãe, mas as diversas formas de se relacionar com a própria vida, em todas as áreas.

E muitas das dificuldades em áreas diversas da vida podem estar conectadas com o psicotrauma, na relação com a mãe que, de modo inconsciente, continuam ativadas, sendo atualizadas.

O psicotrauma é a fragmentação da psique humana, e pode funcionar de forma contraditória a suas formas básicas. Por exemplo com a dificuldade de entrar em contato com a realidade, de se olhar para a realidade.

Há vários tipos de traumas:

O trauma existencial, que tem por base a ameaça à vida, por exemplo no caso de uma tentativa de aborto. É um sentimento que, em geral, permanece com a pessoa por toda a vida.

O trauma de perda envolve uma perda de alguém com quem se tem um forte vínculo emocional e que também se carrega, se transferindo para outras situações da vida.

O trauma de amor implica um vínculo afetivo inseguro ou ambivalente e o sentimento da carência do amor acompanha a pessoa. Esse, em geral, acontece mesmo na relação com a mãe.

O trauma de sexualidade tem a ver com constrangimentos, com obrigar alguém a atos de que envolvem aspectos sexuais. Como diz Franz Rupert, é uma invasão à identidade e os sentimentos que a pessoa carrega, em geral, são de culpa e vergonha. A partir desse tipo de trauma é possível passar a ser seu próprio perpetrador.

Muitas vezes esses traumas seguem seu curso na infância e na adolescência. A pessoa pode entrar nos estados de emergência, que envolvem a imobilização, o congelamento, a dissociação, a cisão.

Como já mostrou a literatura, inclusive Franz Ruppert, quanto mais se sofreu na infância (rejeições, abandonos, abusos, violência física, humilhações, etc.), mais difícil o distanciamento em relação à mãe (pais).  Esse processo simbiótico inicial pode levar aos tipos de traumas acima listados e a uma divisão prematura da psique da criança, não conseguindo desenvolver uma identidade própria, seu próprio Eu. Mostra-se dependente e sem autonomia em sua vida. Com os enredamentos já mostrados acima. Entra-se na vida adulta, mas seus medos infantis permanecem. São os traumas de identidade.

E, como resultado dos traumas, como descreve Franz Rupert em seu livro “Amor, desejo e trauma: uma jornada para uma identidade sexual saudável”, a pessoa tenta, de modo inconsciente, “evitar pessoas e situações que desencadeiam os sintomas, tem sentimentos de não estar vivendo a realidade, dissocia, tem alucinações, perde o contato com o eu saudável, com querer ver e com seus propósitos. A pessoa entra em estado de hipervigilância, em ansiedade e pânico. Tem sentimentos permanentes de desamparo, impotência e tristeza. Tem anestesia das emoções, intrusão de pensamentos acerca de eventos traumáticos”.

Em muitas situações, nossa infância foi muito assustadora para nós. Especialmente por conta das situações difíceis com os pais. Para nós, seres humanos, na maioria das vezes, tudo o que queríamos era sermos segurados por alguém que nos amasse, que nos acompanhasse, que estivesse realmente conosco.

No caso de mães do tipo mencionado no início desse texto, inclusive das narcisistas, que não acolhem, não olham para o filho, que não estão presentes com a criança, a vida fica muito difícil no futuro. Mesmo no caso de uma mulher que tem vários filhos seguidos; ela não consegue ver cada filho como único e ofertar a maternagem necessária a um desenvolvimento seguro, funcional.

Franz diz que não existe mãe substituta. Mãe substituta é uma ilusão. Se a mãe não quer o filho, ela o força a dissociar-se de si mesmo. Ele perde o ponto de referência de suas necessidades e as coloca lá fora. O que precisa, o que necessita sua mãe, o que quer que seja, é para este lugar que ele vai olhar. Provavelmente vai tentar compensar as necessidades dela e isso cria uma grande confusão para o filho. Se a mãe quer o filho, o ponto de referência é ele próprio. Se ela não o quer, ele deixa de ter a identificação consigo e se identifica com o trauma da mãe. E esse filho acaba achando que deve salvar a mãe do trauma dela e, depois, fica a confusão. Não ter sido amado, desejado, e protegido pela mãe pode causar autodestruição e destruição do outro.

Não se trata de converter os pais em ideais, nem naqueles que não podem errar. Pais ideais não existem, não se pode criar mentiras oficiais.

No entanto, nós, organismos vivos, temos o propósito de viver, é necessário saber o que está lá fora e o que é o Eu. A psique precisa separar o fora do dentro.

Em relação àquela mãe agressora, partimos do princípio que não seja fácil se livrar das situações de agressão. E que o trauma vai produzir doenças, como dito na literatura de modo amplo. Porém, como se para de incorporar essa agressão? E como se livrar daquela que já está incorporada? Será que isso realmente adoece?

Se sabemos que as agressões vêm da mãe, que são da mãe, não são do filho. Isso vem de fora dele. Mesmo que esteja incorporado, que esteja dentro dele, isso vem de fora.

É claro que isso adoece porque produz estresse.

Como lido com a agressão com a qual tive que lidar o tempo todo?

Essa é uma questão que está ligada à identidade. Os traumas de identidade não permitem que isso seja discriminado. E para lidar com minha identidade, preciso separar o que está fora do que está dentro. O que é meu e o que é do outro.

No caso de uma cliente com pressão alta, por exemplo, ela teve que lidar com um estado de estresse o tempo todo, ou seja com as agressões de sua mãe, internalizadas. Enquanto não pode parar essa agressão, não consegue parar o estresse, vai produzir doenças.

Segundo Franz Rupert, sair do contato com o agressor é o primeiro passo. Assumir que já se é adulto, que não se está mais sob ameaça, que se pode desativar o “modo sobrevivência” e que se pode assumir sua força vital é a saída. E, quando não é possível, continua-se na infância, e “é necessário ainda mais trabalho terapêutico pessoal”, diz textualmente na página 255 do livro já mencionado.

Em situações em que ocorre o estresse pelo desafeto ou por situações difíceis com a mãe (pais), se não é possível mudar a realidade ou se o que foi tentado não foi suficiente, então observamos o trauma, ou seja, todas as respostas de proteção de fuga/ataque para lidar com o estresse não funcionaram mais. Todo trauma, de certo modo, começa com as respostas de fuga/ataque/congelamento. Nossa mente evita a dor, portanto cria outras realidades, ilusões.

Concordo que dificilmente alguém nomeia “nossas carências ou necessidades não satisfeitas, nem a sensação de não sermos merecedores de cuidados, coisa que arrastamos desde então ao longo da vida”, como diz, textualmente, Laura Gutman em seu livro O poder do discurso materno: introdução à metodologia de construção da biografia humana. Lembramos e concordamos com o que Laura diz acerca do patriarcado, ele se baseia em uma cultura de submissão, de repressão sexual, de abuso de poder, de acumulação de patrimônio, de competição, entre tantas outras mazelas. Assim como Franz Rupert também nos informa, sobre os traumas da sociedade em seu livro Quem sou eu em uma sociedade traumatizada. Somos todos traumatizados, pois somos parte dessa sociedade. É a que temos para o momento...

Gostaria, então, de abrir esses parágrafos para um contraponto, mais uma reflexão: é preciso lembrar que os pais não são infalíveis, que a mãe não é infalível, que os pais são parte desta sociedade traumatizada, patriarcal. E que, muitas vezes, a mãe (o pai) tem boas intenções. E ainda assim o filho pode ficar traumatizado com alguma atitude dela.

Se colocamos a mãe no lugar de “tudo é responsabilidade dela”, julgamos e eu trago um pensamento que me passa: seria bem melhor que pudéssemos nascer como as cobras, as tartarugas, os jacarés, pois já se nasceria sabendo que “não exististirá maternagem”.

Os traumas existem e as responsabilidades externas por eles também. É um contraponto em relação aos possíveis julgamentos. Lembramos, ainda que, em relação a esses traumas ou a situações difíceis que acontecem em nossa vida, em alguns momentos percebemos, sentimos as nossas sensações em relação a um evento diferentemente de outras pessoas que possam estar passando, inclusive conosco, pelos mesmos eventos. E sentimos diferente, um pode entrar em um nível de estresse assustadoramente grande, o outro pode sentir um pequeno estresse com o qual consegue lidar. São as nossas sensações e elas podem realmente ser sensações, percepções atravessadas por demandas que são profundamente pessoais, que a mãe e\ou o pai não vão perceber. Por isso não é possível julgar, sequer generalizar. Como já dito aqui, que a mãe (e o pai) fiquem com a responsabilidade por aquilo que perpetraram. Não é uma “desculpabilização”, até porque os agressores – pequenos e grandes -existem. Que eles paguem seu preço.

Além disso, os pais têm a grande função de educar. E, educar implica, inúmeras vezes, na negação daquilo que a criança deseja. Os pais estão a serviço dos filhos, porém é muito importante entender que estar a serviço dos filhos não significa não frustrar. Essa é uma das “obrigações” dos pais, segundo William Reich, que diz que a educação e a frustração também têm a função de ajuste social, de possibilitar a convivência entre seres humanos.

Por fim, agradecemos as possibilidades de ajuda. E podemos nos perguntar: quem não sofreu momentos difíceis e mesmo traumas significativos na relação com sua mãe, com seus pais? Pensando nas estratégias de sobrevivência aos traumas que utilizamos de modo inconsciente, quem não?...

E refletir: em que momentos congelamos? Ou fugimos, ou enfrentamos?

Podemos buscar os padrões, aquilo que se repete em nós, em nossa biografia – ou traumabiografia.

E refletir: quando os sentimentos de exclusão são (ou foram) realmente intoleráveis na vida? Quanto se tem ou se força a ter de controle em relação à vida? Se vive para o trabalho? Quanto se tem de sintomas físicos ou doenças?

Continuo com as reflexões, pensando na parte sobrevivente que atua em cada um de nós. E agora coloco o texto na primeira pessoa, pois me parece que gera maior força de reflexão:

Quanto de dependências tenho ativadas? Quais são minhas compulsões, minhas adições? Fumo? Me drogo de algum modo? Uso álcool exageradamente, medicamentos? Gasto demais, sem controle? Que outros vícios eu tenho: sexo, comida, jogos, dívidas, atividade física, internet...? O que coleciono?

Em relação a como funciono como pessoa, posso me inquerir, entre outras tantas perguntas: sou egocêntrica demais? Presunçosa? Tenho fixação em religião, na espiritualidade ou em alguma ideologia? Falo demais? Sou distraída demais? Tenho dificuldades em me relacionar com pessoas e em uma relação à dois?

Por fim, a partir das terapias, das constelações e dos Encontros consigo mesmo (EcoMs), tem-se a possibilidade de redescobrir a parte saudável que existe em todos nós.

E, o foco está em alguns aspectos da parte saudável, como por exemplo, reforçar a própria vontade, buscar sempre a autonomia, desenvolver afetos e uniões afetivas, procurar (com e sem ajuda) distinguir entre realidade e ilusão. Diferenciar entre os próprios sentimentos, aqueles adquiridos e os sentimentos de outros, assumir suas próprias responsabilidades, abrir mão de querer salvar alguém, especialmente a mãe, sentir esperança e ter boas expectativas em relação a resolução dos problemas.

E, finalmente, como devemos abordar o trauma? Reconhecendo a dor, sentindo a dor, acolhendo e integrando a dor.

Para finalizar, não é possível sozinho, sem ajuda terapêutica, lidar com situações tão difíceis como a relação com a mãe. E, tomar a mãe não significa que tenho que conviver com ela no mesmo espaço. Posso ter respeito e entender que ela é ela, eu sou eu, ela fica com as coisas dela e eu vou buscar minha vida, meu eu, o que quero e viver minha vida mais leve, com amor-próprio e responsabilidade.

 

Referências Bibliográficas

Franz Rupert. Amor, desejo e trauma: uma jornada para uma identidade sexual saudável. Caxias do Sul: EDUCS, 2022.

Franz Rupert. Quem sou eu numa sociedade traumatizada

Bert Hellinger. Olhando para a alma das crianças. MG, Patos de Minas: Ed. Atman, 2015 (entre tantos outros)

Laura Gutman. O poder do discurso materno: introdução à metodologia de construção da biografia humana. São Paulo: Ágora, 2013.

Alice Muler. A revolta do Corpo. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2011.

 

Leia mais

SUICÍDIO

Data: 04 de September de 2018

Atualmente o suicídio tem se colocado como uma das principais causas de morte, tanto de crianças e adolescentes como de adultos. Virou, na verdade, epidemia. Epidemia significa, segundo Dicionário Online, “doença de caráter transitório, que ataca simultaneamente grande número de indivíduos em uma determinada localidade”.

Leia mais

O QUERER E AS CONSTELAÇÕES SISTÊMICAS

Data: 02 de September de 2018

Nas constelações familiares entendemos que fazemos parte de um sistema. O sistema pode ser descrito como um conjunto de elementos que permanecem unidos ou vinculados em função de um interesse comum ou de forças que os permeiam.

Leia mais

CONSTELAÇÃO SISTÊMICA FAMILIAR E A FENOMENOLOGIA

Data: 10 de April de 2018

Virginia Satir, renomada psicoterapeuta norte americana, desenvolveu a abordagem das Constelações Sistêmicas com bases sólidas provenientes da programação neurolinguística, hipnose e psicodrama. Além dela, muitos outros terapeutas serviram de fonte para os fundamentos dessa abordagem terapêutica.

Leia mais

CATEGORIAS

Artigos (42)
Textos de Alunos (6)
(0)